quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Da razão de um Maior Abandonado

Sou ariano. E ariano não pede licença, entra, arromba a porta. Nunca tive medo de me mostrar. Você pode ficar escondido em casa, protegido pelas paredes. Mas você tá vivo, e essa vida é pra se mostrar. Esse é o meu espetáculo. Só quem se mostra se encontra. Por mais que se perca no caminho.
(Cazuza)




Há sempre uma afirmação incontrolada na presunção humana tida apenas numa primeira instância perceptiva, num primeiro olhar que enganosamente costuma definir as coisas e pessoas como um “isto e pronto”. Definições são limitações que nos retardam a percepção. “Pré-conceituações”, “pré-definições” e uma constante dificuldade em conviver com o diferente levaram durante séculos a perseguições de grandes heróis que lutavam por ideais coletivos, que não se individualizavam. Anos se passaram e continuamos caindo no mesmo erro secular. Dizem de um Cazuza antagonista, vilanizado, “o marginal da zona sul”, mas dentre estes, existe algum a se preocupar em ponderar sobre o conceito que se implícita no soar da palavra marginal? Garanto que estes que o consideram um exemplo a não ser seguido, desconhecem que, ao buscar em sua etimologia, marginal nos diria do todo que é feito à margem, daquilo que é excluído por uma sociedade dita correta; pessoas tidas de um primeiro olhar, de uma definição meramente perceptiva, postos a par do que Marx chamou sociedade em seu projeto igualitário. Que e quem são estes corretos que só me aparecem nos cinemas e que nunca me foram apresentados – sujeitos perfeitos, distintos em suas ponderações, reais exemplos sociais? Estes homens e mulheres do social, ao exemplo do fracassado American way, condicionam-se a subjugar heróis e representam uma extrema e medonha maquinização social voluntária.

Começa-se por julgar o que não se tem mérito quanto o que se deveria era refletir sobre o próprio papel que estes exercem em tal maquinização. E o discurso é sempre o mesmo: o mocinho drogado, o agnóstico, o homossexual, o baderneiro, o marginal. Quem são estes, senhoras e senhores? Quem são estes indivíduos que pregam uma sociedade perfeita sem se perceber que sociedade não se dá como projeto excludente em si (ou pelo menos não deveria)? Marx defendia uma sociedade sem hierarquia, onde todos fossem iguais; e não se dizia de uma uniformidade social e sim sobre indivíduos diferentes convivendo com as diferenças dos outros, buscando a harmonia do todo coletivo. E como dizer da sociedade atual se não houvesse Gandhi, Sócrates, Buda, Marx e Lênin, Luther King? São homens marginalizados em seu tempo, julgados e perseguidos. Incompreendidos. Eram “marginais” sim, eram excluídos e se transformaram em heróis. Heróis dos que hoje insistem em julgar àqueles que não aceitam o dito pelo dito, àqueles questionadores que futuramente serão também seus heróis. Ora, será que a senhora psicóloga que “se dignou” a definir Cazuza como um “criminoso”, pensaria sobre a evolução da medicina preventiva às DSTs e AIDS e que esta se deu principalmente pelo sofrimento do homem de que julga? A questão não é ser certo ou errado em suas escolhas, mas o que fazer a partir delas. E Cazuza fez. Homens que fazem a diferença são sempre polêmicos, e por quê? Porque não se deixam normalizar, não se permitem ser maquinizados, acordam do pesadelo social e querem desesperadamente despertar os outros. E acabam sendo os vilões da história os “ex-óticos” que causam estranhamento aos normalizados sociais.

E, num segundo nível, quais são os qualificados a dizerem sobre o que é certo e ou errado e, principalmente, a preconceituar indivíduos sem analisarem-se como integrantes do social e, como tal, qual a mudança, a retificação a que se propõem? É simples arquitetar o outro sob princípios desconstrutivos. Perante o hábito de se projetar no outro o que não se encoraja ser, tais senhores ditos exemplares acegueiam-se na tentativa de utilizar a negação como princípio sem se compreender o que se nega. Não me admiro. Os heróis são bons somente enquanto não atrapalham a fluidez ditatorial dos cronômetros sociais – e Cazuza não dava a mínima para o tempo. Filósofos são seres incompreendidos, são homens que não se acomodaram com o calor falseado dos pêlos da sociedade e subiram para ver o que haveria além deles.

Viver no capital é mais cômodo. E o capital julga os que não querem fazer parte dele. O abrigo dos terninhos, das gravatas, das carteiradas numa constante implicação de um “sabe com quem está falando?” parece mais apropriado e digno aos homens distintos deste país; tudo o mais é subjugado. Se Cazuza fosse mais um desses executivos que fazem de tudo para garantir aquele projeto importante ou aquele político contundente que desvia dinheiro da merenda escolar e que sempre aparece sorrindo no horário nobre – seja ele drogado, alcoólatra, homossexual ou realmente um traficante – talvez acabasse sendo o mocinho da história. Monta-se a imagem e pronto. Mas ele escolheu fazer diferente. Escolheu a polêmica e foi marginalizado. E tantos outros heróis que decidiram fazer diferente foram posto a par da “sociedade perfeita”.

Gandhi queria desenvolver a bondade e o altruísmo nos homens e foi tido inimigo do Estado Inglês. Marx buscava uma sociedade mais justa e mais harmoniosa e foi tido como louco. Cazuza se opunha às padronizações e ditames sociais e é hoje julgado como o marginal, o vilão, uma desconstrução social. Os heróis sabem que serão incompreendidos e Cazuza já se lamentava por isso: “Vamos pedir piedade [...] para essa gente careta e covarde” ele dizia. É lamentável ter de ler associações como estas de pessoas que dizem buscar construir uma sociedade ideal “com conceitos de certo e errado”. Novamente eu pergunto: o que é o certo ou errado e quem são os definidores perfeitos de tais conceitos? Certamente seres maquinizados, homens e mulheres engomados, mascarados pelas nomenclaturas sociais, dos executivos, dos militares, das senhoras distintas que jamais se despenteiam – as típicas garotas-propagandas estadunidenses dos anos 30. A estes a piedade referida pelo grande Cazuza. “Viva a Erundina. E que todo brasileiro tenha comida e sexo em exagero!” (Cazuza).

Nós gostamos de ROCK e somos loucos
Eles fazem besteiras e são normais
Que vivam os loucos de boa cabeça
E pela metamorfose da vida se tornem
MALUCO BELEZA!

(Cazuza)



José de Assis Júnior

Estudante de comunicação e crítico de cinema.

Justificativa da escolha do título: BLOG

"_Como vai se Chamar?
_'Blog' mesmo, não vamos quebrar a cabeça com isso não, acaba não saindo."
adaptado por Teily e Scarlett
Fernando Sabino (in O Encontro Marcado)
Decidimos, também, não quebrar a cabeça!